Modus vivendi

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– O modus vivendi de nossos heróis médio-classistas, cuja característica consiste no “morar em apartamento”, contribuiu para a instituição de uma nova realidade urbana não apenas pela geração dos “filhos de apartamento” mas de outra esquisitice daí proveniente: O empreendimento imobiliário.

– A evolução do “morar em apartamento” causou profundas mudanças na maneira como se constrói uma cidade. Se antigamente um prédio era projetado e implantado por um arquiteto, sobre uma malha urbana determinada por um urbanista, e colocado de pé por um engenheiro, atualmente a Classe Média só compra imóveis projetados por publicitários. O publicitário é uma figura de extrema relevância para a Classe. É algo como um guru. Sua função extrapola a mera tradução dos valores do médio-classista e sua consequente materialização em forma de produto, para na verdade formatar a preferência deste cidadão e impor-lhe tudo aquilo que ele deve gostar.

– Com a cidade sendo construída pelos empreendimentos do Depto. de Marketing, o desenho urbano e as relações sociais vão mudando de cara. Todo prédio tem um nome, que quando não é o nome de um médio-classista falecido (com sobrenome italiano), é um estrangeirismo. Os idiomas preferenciais são o inglês, o francês e o próprio italiano.

-Tendo este meio de vida se instaurado e solidificado no seio da Classe Média o “filho de apartamento” passou a ser considerado uma espécie de instituição, de forma que os empreendimentos agora tentam redefinir seu modo de vida , hoje em dia, pode-se escolher morar em um empreendimento chamado Château De Douceur, onde estão disponíveis nas áreas comuns o “Espaço Kids”, para os pequenos brincarem o dia inteiro, o “Espaço Teen”, para os adolescentes, o “Garage Band”, para os filhos terem o direito de serem rebeldes enquanto a empregada leva suco e biscoitos. Também há o “Woman’s Space“, para ficar vazio enquanto você frequenta o salão do momento. O “Espaço Gourmet” para dizer aos outros que você é refinado e cozinha por prazer, enquanto a empregada deixa tudo pré-pronto em segredo, e ainda lava as panelas. O “Fitness Center” para ficar as moscas enquanto você paga uma academia perto do trabalho, e muitos outras salas com nomes estrangeiros. O objetivo disto, além de encarecer absurdamente o condomínio, é fornecer argumentos ao publicitário para que o tamanho dos apartamentos seja cada vez menor, no pressuposto de que ninguém ficará lá dentro com tantas atividades dando sopa nopilotis.

– Por fim, neste novo jeito de morar, uma coisa é imprescindível: Grades. O mundo lá fora é mau. A gente de bem está do lado de dentro. Por isso, no espaço urbano todas as características da Classe Média convergem para um único organismo, que é o “lado de dentro”. Médio-classista evita sair na rua. Rua é pra pobre, é onde passa ônibus e onde estão os assaltantes. O médio-classista anda de garagem em garagem, da garagem de casa para a garagem do shopping, do trabalho, da academia. Sem contato nem com o ar do lado de fora. Filho de apartamento tem alergia a fumaça, poeira, plantas de verdade e pobre. Assim, a cidade da Classe Média é hoje um núcleo fortificado, à espera de um ataque bárbaro a qualquer momento. Para isso, métodos de segurança dos mais modernos foram desenvolvidos, como lanças e homens armados. Dizem que uma Construtora aguarda autorização do IBAMA para construir um sistema de fosso com jacarés. Será o primeiro Eco-Security-Residence do Brasil.

Este texto estava no meu baú à espera de seu dia de publicação, não lembro onde eu o consegui, desculpe-me o autor pela falta do crédito.

NG Canela – Maio de 2011