O saco de batatas

Post (0115)

Cenário: Uma tenda a beira de uma estrada vicinal.

Personagens: O velho, dois guris e eu.

Quando estava voltando de uma visita a um cliente na zona rural de minha cidade, reparei a beira da estrada uma tenda onde estavam expostos produtos da região. Movido pela curiosidade parei e logo a primeira vista vi uma placa que dizia “Saco de batas – 1 por 10,-” . Logo ao lado na sombra estava um senhor de idade, a quem vou chamar a seguir de velho e a quem me dirigi:

– Bom dia ! Quanto pesa este saco que estas vendendo?Perguntei.

– Bom dia ! Respondeu o velho – O saco pesa mais ou menos uns 20 kg.

– Gostaria de levar um falei, para encurtar a conversa, visto que já estava voltando para casa e queria chegar logo.

O Velho virou-se para uma construção ao lado e onde estavam sentados e conversando dois guris e gritou:

– Pedro traz um saco de batatas.

Pedro aparentemente era o mais velho dos dois e que segundo a minha avaliação tenha aproximadamente 18 anos, prontamente pegou um dos sacos, neste instante o Velho completou:

– E tu Juca trás também um para que possa ficar aqui junto a mim esperando pelo próximo cliente.

O que o outro guri prontamente fez. Este me pareceu mais moço, imaginei que tinha no máximo 14 anos. Quando estavam quase próximo de mim perguntei:

– E ai estão muito pesados?

– Nem tanto, respondeu o mais velho.

– O meu esta, respondeu o mais jovem, encurvado pelo peso do saco.

Terminei comprando o que trouxe o mais jovem, paguei e voltei para a estrada. Fique pensando com os meus botões sobre o que acontecera:

1 – Se os sacos tinham o mesmo peso este tinha um componente relativo em função da força física de cada um dos guris.

2 – Por outro lado o mais jovem poderia ter consciente ou inconscientemente valorizado o seu produto em uma atitude de vendedor precoce.

3 – Ou o Velho dirigiu e encenou a peça com o intuito de forçar a venda, deixando-me escolher o produto.

4 – E mais, me deixando curioso, o que faria com que em uma oportunidade futura que viesse a passar por ali parasse para conferir e provavelmente comprasse outro saco de batatas.

NG Canela – Fevereiro de 2011




Peripatético

Post (0098)

Numa das empresas em que trabalhei, eu fazia parte de um grupo de treinadores. Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e tínhamos até um lema: “Para poder ensinar, antes é preciso aprender” (copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai). Um dia, nos reunimos para discutir a melhor forma de ministrar um curso para cerca de 200 funcionários. Estava claro que o método convencional – Botar todo mundo numa sala – Não iria funcionar, já que o professor insistia na necessidade da interação, impraticável com um público daquele tamanho.

Como sempre acontece nessas reuniões, a imaginação voou longe do objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega propôs usarmos um trecho do Sermão da Montanha como tema do evento. E o professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou alto:

– Jesus era peripatético.

Seguiu-se uma constrangida troca de olhares, mas, antes que o hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem para retrucar a afronta, dona Dirce, a secretária, interrompeu a reunião para dizer que o gerente de RH precisava falar urgentemente com o professor. E lá se foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.

– Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto – Disse a Laura.

– Eu nem diria de mau gosto, eu diria ofensivo mesmo – Emendou o Jorge, para acrescentar que estava chocado.

– Talvez o professor não queira misturar religião com treinamento – Ponderou o Sales, que era o mais ponderado de todos. – Mas eu até vejo uma razão para isso., É óbvio que ele é ateu.

– Não diga!

– Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a desrespeitar a religiosidade alheia.

Cheios de fúria, malhamos o professor durante uns dez minutos e, quando já o estávamos sentenciando à fogueira eterna, ele retornou. Mas nem percebeu a hostilidade. Já entrou falando:

– Então, como ia dizendo, podíamos montar várias salas separadas e colocar umas 20 pessoas em cada uma. É verdade que cada treinador teria de repetir a mesma apresentação várias vezes, mas. – Por que vocês estão me olhando desse jeito?

– Bom, falando em nome do grupo, professor, essa coisa aí de peripatético, veja bem.

– Certo! Foi daí que me veio a idéia. Jesus se locomovia para fazer pregações, como os filósofos também faziam, ao orientar seus discípulos. Portanto a sugestão de usar o Sermão da Montanha foi muito feliz.

– Peripatético quer dizer “o que ensina caminhando”.

E nós ali, encolhidos de vergonha.

Bastaria um de nós ter tido a humildade de confessar que desconhecia a palavra que o resto concordaria e tudo se resolveria com uma simples ida ao dicionário.

Isto é, para poder ensinar, antes é preciso aprender. Finalmente, aprendemos. Duas coisas.

– A primeira é que o fato de todos estarmos de acordo não transforma o falso em verdadeiro.

E a segunda é que a sabedoria tende a provocar discórdia, mas a ignorância é quase sempre unânime.

Artigo escrito por Max Gehringer publicados na Revista VOCÊ S/A – NG Canela – Agosto 2010