Para que serve a Utopia

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Eduardo Galeano conta algo que aconteceu com ele:
– Há algum tempo quando estava em uma universidade da Colômbia dando uma palestra junto com um grande amigo, um dos diretores mais antigos de filmes da Argentina às vezes chamado de “O Pai do Cinema Latino-americano” – Fernando Berri – éramos jovens.
Os estudantes faziam perguntas, às vezes para mim e às vezes para ele e foi na vez dele a pergunta mais difícil de todas. Um estudante se levantou e lhe perguntou: – Para que serve a utopia ?

Eu olhei para ele com pena, pensei, esta encrencado, Fernando, depois de uma pausa pensativa respondeu magnificamente da seguinte forma:

“Eu acordo todos os dias da minha vida me perguntando a mesma coisa. Para que serve a Utopia?”

A utopia afinal é como o horizonte, você nunca pode alcançar o horizonte e disse mais, eu sei que nunca o alcançarei, se me aproximo dois passos, e ela se afasta dois passos. Caminho dez passos em sua direção e o horizonte corre dez passos para trás. Utopia não é diferente. Ela vai se distanciando quanto mais me aproximo e por mais que eu caminhe nunca a alcançarei. Então eu pergunto a mim mesmo:

– Qual é o propósito da Utopia ?
– Para que serve a Utopia?
– Serve para isso, concluo:
Para nos fazer continuar caminhando. Para nos fazer continuar caminhando em direção a ela. Para o horizonte. “

Como dito por Eduardo Galeano na Radio 3 da Espanha –NG Canela – Outubro de 2011




O direito ao delírio

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– Embora não possamos adivinhar como o tempo será temos pelo menos o direito de imaginar o que nós queremos.

– Em 1948 e 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a grande maioria da humanidade continua sem ter o direito de viver, ver, ouvir e calar;

– O que acham se delirarmos um pouquinho?

– O que acham se fixamos nossos olhos mais alem da infâmia, para imaginarmos outro mundo
possível, como:
– Com o ar das ruas limpo de todo o veneno que não venha dos medos e das paixões humanas ;
– Os carros sendo esmagados pelos cães;
– As pessoas não mais dirigidas pelos carros, nem programadas pelo computador, nem compradas por supermercados, nem também assistidas pela TV;
– A TV deixará de ser o membro mais importante da família e será tratada como um ferro de passar ou máquina de lavar roupa;
– Será incorporado aos códigos penais o crime de estupidez para aqueles que cometem: viver para ter ou para ganhar ao invés de viver para viver simplesmente, assim como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca;
– Os historiadores não mais acreditarão que os países gostam de ser invadidos;
– Os políticos que os pobres adoram comer promessas;
– Ninguém viverá para trabalhar, todos trabalharão para viver;
– Os economistas não chamarão mais o nível de vida de nível de nível de consumo e nem chamarão de qualidade de vida a quantidade de coisas acumuladas;
– Os cozinheiros não mais acreditarão que as lagostas amam ser fervidas vivas;
– A morte e o dinheiro perderão seus poderes mágicos e nem por falecimento e nem por fortuna um canalha se tornará um virtuoso cavalheiro;
– Ninguém levará a sério alguém que não seja capaz de tirar sarro de si mesmo;
– O mundo não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá escolha a não ser declarar falência;
– Em nenhum país ira prender os rapazes que se recusarem a cumprir o serviço militar, mas aqueles que querem servir-lo;
– A comida não será uma mercadoria nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direito humano;
– Ninguém morrerá de fome;
– As crianças de rua não serão mais tratadas como lixo, porque não haverá mais crianças de rua, as crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá mais crianças ricas;
– A educação não será privilégio daqueles que podem paga-la;
– A polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la;
– A justiça e liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, serão novamente juntas de volta, bem grudadinhas, costas com costas;
– Na Argentina, as “Loucas da Plaza de Mayo” serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória;
– A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas das escrituras de Moisés, e o sexto mandamento mandará festejar o corpo, a igreja também realizará outro mandamento que Deus havia esquecido: “Amaras a natureza da qual fazes parte”;
– Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma;
– Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperaram de esperar muito, muitos e se perderam de tanto procurar;
– Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os tenham vontade de beleza e vontade de justiça, tenham nascido quando tenham e tenham vivido quando e onde vivido, sem se importarem nem um pouquinho com as fronteiras do mapa e ou do tempo,
– Seremos imperfeitos e a perfeição continuará sendo um privilégio chato dos Deuses;
– Neste mundo trapalhão, seremos capazes de viver cada dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última.

Tradução livre do texto original “El derecho al delírio” de Eduardo Hughes Galeano – Assista o vídeo …

NG Canela – Outubro de 2011