Achar e perder

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– Tem coisa que só são achadas para serem perdidas.

– Encontrei em uma casa de câmbio em Montevidéu, uma libra esterlina do ano de 1918. Era perfeita, com retrato do Rei, com aquela perfeição de traços e linhas como em nenhuma moeda de país algum do mundo.– O dono da loja pedia uma pequena fortuna por ela. Eu havia ganhado na véspera no cassino do Parque Hotel, de modo que nem regateei. Paguei por aquela preciosidade o que me pediam – e mais pagaria se me houvessem cobrado. – Pois bem; esses dias resolvi revê-la e não a localizei. – Aconteceram nos últimos anos algumas mudanças – e não é impossível que entre uma e outra ela tenha se extraviado.

– Não me queixo. Já perdi outras coisas, aí incluído um exemplar de Os Lusíadas que comprei num sebo. Creio que foi a primeira vez que li com gosto a narrativa inteira, me demorando no episódio de Inês de Castro. E veio outra mudança e sumiram Os Lusíadas e a linda Inês.

– Desde pequerelógio do vovono ouvia meu avô dizendo: “Este relógio será de meu neto mais velho”, eu, de modo que ganhei a joia ao completar oito anos. Minha mãe entendeu que eu não tinha a idade para portar semelhante raridade, de modo que a guardou. Sucedeu que não demorou e fomos visitados por amigos do alheio. Resultado: levaram o relógio, do qual nunca mais tive notícias.

– A vida é assim. Como falei no início, tem coisas que só são achadas para serem perdidas. Guarde bem as suas conquistas e coisas mais queridas para não perdê-las também.

Texto de Liberato Vieira da Cunha, resumido – NG Canela – Dezembro de 2009




Mesmices primaveris

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– Alguém chegou a calcular a hora exata da criação (Quatro da tarde de uma terça-feira), mas não se sabe se era primavera. Provavelmente sim, pois Deus poderia testar a castidade das suas criaturas, Adão e Eva. E os colocou nus, num jardim primaveril, para ver se resistiam. E a primavera foi mais forte que Deus. Eles não resistiram, e provaram o fruto proibido.

– Adão teve a primeira ereção da história e avisou a Eva: – Chega para traz, que eu não sei até onde isto cresce. Eles exploraram todas as possibilidades dos seus corpos e esgotaram o assunto logo na primeira geração.

– Desde então, em matéria de sexo, a humanidade não tem feito outra coisa senão se repetir. O sexo não evoluiu. Nenhuma nova zona erógena foi descoberta, nenhuma técnica nova inventada ou desenvolvida em laboratório, depois de Adão e Eva.

– Claro, mudaram as atitudes em relação ao sexo, os antecedentes, as conseqüências, os métodos de abordagem, os parâmetros (Óleos perfumados, arreios, capacetes, algemas.. ), mas a mecânica do, digamos, negócio continua a mesma desde que o homem é homem e a mulher, felizmente, é mulher. Ou o homem é mulher e a mulher é homem, o que também é antigo.

– As variações do sexo são contidas pelas limitações do corpo, o que explica a mesmice dos filmes pornô. Ou então eu é que tenho andado com a turma errada.

Texto de Luiz Fernando Veríssimo – NG Canela – Outubro de 2009