Recado ao senhor do número 903

Post (0139)

– Vizinho, aqui quem fala é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento.
– Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser 24 horas – e a sua veemente reclamação verbal. Estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão.
– O regulamento do prédio é explícito e, se não fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei.Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003.
– Ou melhor: É impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois não sei o seu nome. nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidosa ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros.
– Eu, o 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o mar fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua.
– Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul.
– Quem vier me visitar será convidado a se retirar às 21:45, e explicarei: O 903 precisa repousar das 22:00 às 7:00 pois às 8:15 deve tomar o linha 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305.
– A vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
– Mas que me seja permitido sonhar com outra vida, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse:
– Vizinho, são 3:00 da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou.
– Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela.
– E o homem trouxesse sua mulher, e ficasse entre amigos entoando canções para agradecer o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, o dom da vida, a amizade entre humanos, o amor e a paz.

Texto de Rubem Braga, resumido – Recado ao senhor 903. In: para gostar de ler. Crônicas. 12 ed. São Paulo: Ática, 1989, V.1.p 74 – 75 – NG Canela – Julho de 2011

 




A coisa !!

a coisaPost (0133)
É importante saber o nome das coisas. Ou pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se tentando comprar um… Como é mesmo nome?
-Olá! Posso ajuda – lá de alguma forma?
-Sim! Com certeza! Acontece que eu gostaria de uma coisa… Um…Ora bolas! Não me recordo do nome da coisa… Entenda que me sinto muito constrangida nesta situação, mas é que preciso desesperadamente desta coisa!
-Sim, entendo, mas para que eu possa ajuda – lá preciso que descreva a coisa !
-Certo! Então preste atenção! É uma coisa tipo assim: Um pouco comprida, mas não muito! Meio redonda…
-Há mais alguma coisa sobre este, isto… Esta coisa, que possa se lembrar?
-Bom, sei também que no interior desta coisa há um tubinho menor onde você introduz outro e…
-COMO !?
-É, isso mesmo, você introduz outro tubinho dentro e coloca no… No… Está entendendo?
-Na medida do possível! Continue…
-O que estou querendo lhe dizer acho que o senhor não está entendendo.
-Estou me esforçando, mas…
-Mas não está sendo o suficiente!
-Esta bem, prossiga.
-Como eu ia dizendo… Onde eu estava mesmo? Ah, sim! Eu ia dizendo que você deve colocar a coisa no lugar que eu lhe disse…
-Acontece que a senhora não disse onde deve ser colocado a tal…
-ASSIM NÃO DÁ! Você quer faze o favor de não me interromper?
-Desculpe.
-Hunf… Você o coloca lá e ai enquanto você vai usando ele vai diminuído. Entendeu?
-Entendi.
-Então você compreendeu a urgência da situação!
-Sim, mas lamento informar que não trabalhamos com este tipo de… “Coisa”.
-Não!?
-Não. Talvez fosse mais adequado procurar uma farmácia, sabe? Ou… Algo parecido.
-Mas eu tenho certeza que… Ei! Espere ai! É daquilo que eu estou falando!
-Disto? Tem certeza? Um rolo de papel higiênico?
-Sim! Desculpe, mas não sou boa com descrições. Meio compridinho, mas não muito! Redondo e tem um tubinho de… de… papelão dentro! Daí, você passa um outro tubinho de plástico ou de outro material por dentro do outro tubo pra botar no… no… suporte no banheiro!
-Sim, mas é claro!
-Mas o senhor disse que não trabalhava com este tipo de coisa…
-Um pequeno equívoco senhora. Pensei que estivesse falando de outra coisa. Aqui está a sua compra, adeus, e volte sempre!

Texto de Carolina Geraldi, inspirado no texto de Luiz Fernando Veríssimo.

NG Canela – Julho de 2011. (0133)